Textos para 1a. série / Ensino Médio - 2o. bimestre
1. A mudança das distâncias geográficas e os processos migratórios
Geografia – 1ª. Série – EM
Em Geografia, pode-se afirmar que a globalização diz respeito à construção de novos espaços e novas relações sociais desenvolvidas no mundo. Trata-se de uma nova configuração geográfica que se superpõe aos territórios nacionais, por vezes conflituosamente, outras em harmonia. Isso pode significar mudanças importantes nos próprios Estados nacionais com a presença, em seus territórios, de pontos de rede de corporações transnacionais e de redes técnicas, propiciando um aumento extraordinário da circulação de capital, de bens industrializados, de serviços e informações produzidos na escala mundial.
Essa agilidade da circulação se dá porque os espaços globais são suportes ativos dos processos socio
econômicos que ocorrem na escala mundial. Esses negócios são alimenta¬dos pelo que há de mais avançado em tecnologias de produção e de circulação. Assim, es¬ses espaços da globalização se realizam como expressões geográficas da nova ordem mun¬dial. Vamos desvendar a lógica desses espaços que, fundamentalmente, se estruturam em forma de redes; conhecer os ritmos de suas relações, cada vez mais aceleradas e; identificar os principais agentes que os alimentam, como as corporações transnacionais.
Vamos começar com a formação populacional brasileira, mais especificamente, a contribuição dos processos migratórios estrangeiros. Que grupos vieram e para onde foram no território brasileiro? Quando? Qual a distância que esses imigrantes percorreram e as condições em que viajaram? Quanto tempo as viagens duraram? Vamos trabalhar com um caso expressivo, em razão da grande distância geográfica envolvida: a migração japonesa para o Brasil.
O Brasil é o país que tem a maior comunidade japonesa no exterior (exterior porque estão fora do Japão). São 1.500.000 pessoas entre japoneses e seus descendentes. Isso é resultado de uma onda imigratória proporcionada pelo Trata¬do de Amizade, Comércio e Navegação Brasil-Japão, assinado em 05/11/1895. De 1908 a 1941, migraram para o Brasil 188.986 japone¬ses. Esse fluxo foi interrompido pela Segunda Guerra Mundial e retomado nos anos 1950, quando vieram mais 53.555 imigrantes.
Eram 52 dias de desgastante viagem de navio. Se um imigrante não gostasse do que encontrou, dificilmente poderia "bater em retirada" e retornar à sua terra natal. Retornar apenas para visitar o Japão, durante muito tempo, não foi algo possível para muitos. Era muito caro percorrer uma distância geográfica tão grande.
A distância é 18.550 km; significa 55 dias de navio. Hoje, corresponde a 24 horas de vôo de avião. Em termos gerais, para as populações atuais desses dois países, essa mesma distância é ou¬tra, tem outro significado em suas vidas.
O que aconteceu para mudar radicalmente o sentido desses 18.550 km? Uma aceleração no percorrer da distância geográfica. Uma aceleração dada pelo desenvolvimento e pelo acesso a novos meios tecnológicos que fizeram o espaço geográfico ser outra coisa; uma ace¬leração que altera as relações entre essas duas sociedades (Brasil ↔ Japão).
A situação se inverteu: agora são 225.000 brasileiros que estão trabalhando no Japão. Estão impossibilitados de voltar se não gos¬tarem? Podem visitar os parentes que ficam no Brasil com regularidade? Esses parentes podem ir até eles? Eles são imigrantes, como os japoneses do início do século XX, que esta¬vam trocando definitivamente de vida?
A visão anterior sobre a migração estrangeira era marcada pela visão de atitude definitiva. A quebra da rigidez da migração, hoje, transformou em algo mais temporário, transitório, e isso se deu em função da no¬vas condições de mobilidade do ser humano, um produto da aceleração dos fluxos.
Observe o mapa “As migrações, final do século XX” na página 5 do caderno do aluno. Vamos aproveitar o mapa para exercitar a linguagem cartográfica, chamando a atenção para algumas características dele:
a) a projeção cartográfica: os mapas são planos e a superfície terrestre é curva. Não há meios de se colocar no pla¬no as dimensões - formas, extensão e distância – da superfície terrestre (por exemplo, dos blocos continentais). Por isso, todos os mapas possuem deformações. É importante saber quais são essas deformações. A transposição do espaço curvo para o plano se faz com as chama¬das projeções cartográficas. Por exemplo: nesse mapa, a projeção cartográfica é a de Bertin. Com ela, o autor conseguiu manter a extensão e as formas das terras emersas (fora da água). É uma projeção boa para mostrar que, as relações humanas e seus bens (os fluxos) estão muito intensas;
b) o mapa para ver: onde estão os maiores fluxos de imigrantes, mas isso num bater de olhos? Essa identificação é simples e óbvia. Não haverá necessidade de se con¬sultar a legenda. A comunicação desse mapa é feita por sua imagem em conjunto: é um mapa para ver. As setas indicam direções e esse símbolo é universal. A largura das se¬tas comunica visualmente a maior ou me¬nor quantidade do fluxo. Mas, além das setas, o mapa traz outra informação visual. Os países estão coloridos de cinza ou de tons de rosa (mais fracos e mais fortes). Essas tonalidades de cor significam menor ou maior presença de imigrantes na formação da população dos países. Elas criam uma ordem entre os países nesse aspecto. Por exemplo, na atual formação da população brasileira, há menos imigrantes, proporcionalmente, do que na formação populacional dos EUA;
c) a representação dinâmica e ordenada: por intermédio de linhas (setas), esse tipo de representação mostra o movimento dos fluxos no espaço terrestre de imigrantes no final do século XX. Por mostrar esse movimento, ela é chamada de representação dinâmica, adequada para representar fluxos. E por intermédio do tom de cinza e dos tons de rosa cria-se uma ordem entre países que têm mais e que têm menos imigrantes na composição das suas respectivas populações, por isso, essa dimensão do mapa é chamada de representação ordenada;
d) a variável visual tamanho e variável visual valor: o mapa repre¬senta dois fenômenos:
1) o fluxo migra¬tório e sua dinâmica espacial. Porém, es¬ses fluxos são de diferentes quantidades. Como expressar isso visualmente? Por meio da largura (tamanho) das setas. Essa é a variável visual tamanho, essencial na cartografia para representar a proporcio¬nalidade entre as coisas. Por isso, quando se vê um mapa bem feito, essa proporcio¬nalidade se imprime imediatamente em nossos olhos;
2) a participação na composição da população dos imigrantes segundo classes, fenômeno representado por meio da variável visual valor, onde tonalidades da cor do mais escuro para o mais claro expressam valor da cor. Essa relação é direta para nosso olhar.
Interpretando o mapa, as localidades no planeta que estão recebendo os maiores fluxos migratórios no momento são EUA (bem a frente de todos), Europa Ocidental e Golfo Pérsico. Os principais fluxos, como os do México e da América Central para os EUA, possuem direção sul para norte. Há fluxos também do Sudeste Asiático para os EUA, da África para a Europa e assim por diante. Essa evidência indica fluxos do sul para o norte, que na verdade expressam fluxos dos países pobres para os países ricos. A maior mobilidade dada pelas novas condições espaciais gera outros fluxos inusitados, alguns temporários, como da Índia para Dubai (grande cidade na entrada do Golfo Pérsico). Algumas das áreas que atualmente recebem os maiores de imigrantes, como a América do Norte e a Europa, já têm uma participação expressiva de imigrantes no conjunto de sua população. Algumas outras, como a Austrália, que também estão nessa condição, já não recebem mais fluxos vigorosos de imigrantes. Embora tenhamos ouvido a história de que o Brasil é um país formado por imigrantes, considerando a segunda metade do século XX, deixamos de estar envolvidos de modo importante no conjunto das correntes migratórias internacionais. Isso se revela pela baixa participação dos imigrantes no conjunto da população e pelo volume atual dos fluxos que envolvem nosso território.
Veja os grandes sistemas (movimentos) migratórios contemporâneos, que devem-se à pobreza, a fenô¬menos de proximidade geográfica e a liga¬ções históricas:
- Os sistemas sul para o norte, que drenam a maioria dos imigrantes (normalmente em busca de melhores condições econômicas);
- Refugiados do Norte da África para a França, em função das ações do Magreb (grupo ligado à rede terrorista islâmica liderada pelo saudita Osama bin Laden, na região de Cabília - cidade 70 km a leste de Argel, a capital da Argélia, na África);
- Antigo império das Índias para a Inglaterra;
- Turquia para Alemanha.
- Europa do Leste envia imigrantes, mas também os recebe;
- Índia - Paquistão para países petroleiros do Oriente Médio;
- América do Sul e Central para os EUA.
O mapa de fluxos migratórios nos dá uma visão atual do volume e das direções das correntes migratórias internacionais, assim como a participação dos imigrantes na composição geral das populações dos países.Mas não é possível, por meio dele, concluir sobre a aceleração dos fluxos em relação aos movimentos migra¬tórios ao longo do século XX. Houve expressivo au¬mento do fluxo migratório dos anos 1960 para nossos dias em certas regiões do mundo: EUA, Europa Ocidental etc. em escala planetária entre os Esta¬dos modernos. As direções geográficas desses fluxos, a mudança dessas direções, o volume quantitativo desses movimentos e alteração contemporânea desses volumes implicam numa aceleração dos fluxos e em formas mais acessíveis de administração das distâncias ge¬ográficas (fase descritiva do processo).
Observe o gráfico “Evolução dos efeitos de migrantes, 1910-2000” na página 8 do caderno do aluno. Ele nos mostra apenas uma evolução, no tempo, dos países recebendo imigrantes, mas não nos dá os fluxos, a dinâmica espacial direta e integralmente. O gráfico mostra que houve expressivo aumento do fluxo migratório dos anos 1960 para nossos dias em certas regiões do mundo: EUA, Europa Ocidental, etc. Essas representações visuais de qualidade formam imagens sobre os fluxos migratórios em escala planetária entre os Estados modernos: as direções geográficas desses fluxos; a mudança dessas direções; o volume quantitativo desses movimentos; e alteração contemporânea desses volumes, o que implica numa aceleração dos fluxos e em formas mais acessíveis de administração das distâncias geográficas (fase descritiva do processo).
Problematizacão dos fluxos migratórios internacionais: aceleração e fechamento de fronteiras
É muito comum atualmente falar de ace¬leração da história. Os eventos humanos se precipitam mais velozmente e as transforma¬ções históricas são mais rápidas. Desde que o ser humano se sedentarizou no neolítico, ele nunca se moveu tanto como agora. E esse aumento de mobilidade geográfica está asso¬ciado à aceleração da história. O aumento da mobilidade geográfica de bens, de mercado¬rias e pessoas é a globalização das relações humanas, cujo potencial transformador já demonstrou seu poder, embora muito ainda esteja por acontecer.
Nesse novo cenário, um famoso historia¬dor costuma afirmar: o documento mais im-portante nesse mundo globalizado não é a carteira de identidade e sim o passaporte. E isso nos dirige para a reflexão sobre os fluxos migratórios internacionais contemporâneos. Veja as características das migrações internacionais contemporâneas na página 10 do caderno do aluno.
Duas condições para que as imigrações se acelerem:
1. é mais fácil viajar, pois os meios são mais efi¬cientes e os custos mais baratos e;
2. pode-se fazer experiências temporárias.
Porém, há restrições político-sociais ao processo mi¬gratório. Por isso, o que menos circula no "mundo globalizado" são as pessoas. Mes¬mo assim, as migrações cresceram bastante em comparação com o passado:
a) No início do século XXI, o fechamento das fronteiras fez aumentar o número de clandestinos, o que é difícil de estimar. Por exemplo: seriam uns sete milhões nos EUA;
b) Para os países de origem, as consequên¬cias são por vezes negativas, como por exemplo, no caso da fuga de cérebros (pessoas com grande potencial – por exemplo, sua inteligência – e que acabam usando isso em outro lugar, não no seu país de origem);
c) As consequências são positivas para gru¬pos que permanecem, em razão da remes¬sa de recursos: em 2005 foram 225 bilhões de dólares, o que representa mais que a ajuda oficial direta para o desenvolvimen¬to de alguns países. Por vezes, um imigrante sustenta, em média, dez pessoas.
2. A globalização e as redes geográficas
Quando se fala em globalização, é possí¬vel se entender várias coisas, mas há uma que todos entendem: existe uma presença muito maior do mundo em cada localidade. Isso se expressa pela enorme presença de produtos de diversas partes do mundo e também pelo número elevado de informações sobre o mundo. Parte expressiva do que ocorre, do que se faz, do que se pensa em outras localidades pertence agora a nossa realidade.
Há uma nova organização do espaço geográfico que permite que o mundo esteja aqui e que estejamos no mundo e que a ele pertençamos. Essa nova organização permite que os fluxos se acelerem. E essa nova ordem geográfica é uma ordem de redes geográficas. Palavras-chave na Geografia, como espaço e território, hoje, devem ser acompanhadas por mais uma da mesma importância, a rede geográfica, que é a forma principal dos espa¬ços da globalização.
Os territórios nacionais possuem frontei¬ras, distâncias geográficas, culturais, políticas e econômicas diversas, mas o contato entre suas populações é cada vez mais intenso e isso se dá por meio de um "concorrente" do território: a rede geográfica. A rede geográfica tem o poder de ultrapassar as fronteiras nacionais. Existiria exemplo mais acabado dessa nova realidade do que a rede técnica mundial da in¬ternet?
Veja os mapas “Internautas, 1991-2006” e “Mundo: posse de computadores pessoais no mundo, 2002”, nas páginas 13 e 14, respectivamente. São mapas quantitativos que fazem uso da variável visual tamanho, mapas para ver, pois devido à força expressiva da imagem, qualquer pessoa que os veja, vai perceber que o fenômeno representado é mais relevante nos EUA mesmo sem sa¬ber de que fenômeno se trata. “Internautas” é um mapa ordenado que faz uso da variável visual valor (tonalidades de uma única cor, no caso o marrom). As tonalidades mais escuras expressam um número maior de internautas (usuário individual) em grupos de 100 habitantes (o valor mais elevado é de 87,7 por 100) e as mais claras, o contrário. O mapa é acompanhado por um gráfico evolutivo e quantitativo que, por sua vez, faz uso da variável visual tamanho e mostra o crescimento do número de internautas no período de 1991-2006, indicando também o número de vezes que o volume de internautas foi multiplicado. O mapa “Mundo” tem uma força comunicativa poderosa e ao mesmo tempo revela de forma aguda certos fenômenos geográficos.
Ao examinar essa representação, é interessante ter ao lado um mapa mundi convencional. Para definir o tamanho dos continentes, utilizou-se uma métrica numérica, uma medida que não é a convencional com base em km2. Não foi uma métrica territorial. Essa anamorfose sobre a posse de computadores pes¬soais poderia não comunicar grande coisa se não tivéssemos todos, uma familiaridade muito grande com as formas convencionais do mapa mundi. Mas como a temos, logo percebemos a força comunicativa das defor¬mações.
A linguagem das representações cartográficas foi uma preparação para a exploração cognitiva delas em conjunto. Afinal, elas, cada qual à sua maneira vão dar uma idéia dessa inovação revolucionária na vida humana e na estruturação dos espaços geográficos graças à rede técnica mundial da internet.
Redes geográficas: o espaço de ação das corporações transnacionais
Vamos esclarecer um dos enigmas da globalização e do mundo contemporâneo: a diferença entre termos que parecem ter o mesmo significado. Entre empresa e corporação a diferença é: uma corporação é um grupo que reúne várias empresas de diversos ramos e que concentra muito capital e interesses sob um único controle. Há cor¬porações que têm empresas que atuam no ramo do petróleo, no industrial, no agronegócio, no sistema financeiro e na produção de filmes para cinema e televisão, por exemplo. Isso só explica que, quan¬do os lucros crescem, os grupos econômicos vão diversificando seus negócios e suas localizações, a fim de garantir maiores lucros. A empresa é individual, só atua em um ramo.
Mas o que significa essa diferença entre uma multi nacional e uma trans nacional? Observe o esquema simples da página 18 no caderno do aluno. Observem especialmente a presença e o papel das corporações trans¬nacionais no esquema. Que espaços, de fato, são aqueles em que as corporações baseiam suas atividades? Serão os espaços nacionais (territórios nacionais) convencionais? As corporações econômicas mais poderosas transcendem os espaços nacionais e criam um espaço global com base numa malha de redes técnicas e geográficas.
Um autor importante pode ser citado nes¬se momento. Trata-se do geógrafo brasileiro Milton Santos:
"O interesse das grandes empresas é economizar tempo, aumentando a velocidade da circulação [...] Corporatização do território é a destinação prioritária de recursos para atender as necessida¬des geográficas das grandes empresas."
SANTOS. Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo - razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2008. p. 270.
Os fluxos de mercadorias, de serviços, de informações circulando rapidamente pe¬las redes técnicas (transportes e teleco¬municações) no mundo todo permitem o acesso a vastos mercados (e muito mais). As corporações que têm acesso, controle e investimento nessas redes técnicas obtém desse fato uma grande dose de poder econômico.
O prefixo multi significa muitos. Assim, multinacional é uma empresa que opera em vários países, constituída por grandes aglomerados industriais e financeiros. E transnacional? Transcender significa ultrapassar, ser superior. Assim, transnacional é uma empresa que ultrapassa os limites do país em que tem sua sede: está sediada num país e opera a produção ou parte dela em outros. Os dois conceitos se completam: grandes empresas que estão sediadas nos países desenvolvidos e operam ou controlam a produção nos países subdesenvolvidos. O termo global (globalização) refere-se a um processo em andamento, pois na verda¬de há muitas áreas ainda fora desse processo (as regiões em branco, os clarões), que sofrem uma “marginalização” em relação à globalização. Essas áreas "fora do eixo" da globalização foram designados como os deserdados da ordem mundial, áreas onde justamente registram-se eventos trágicos, guerras civis e conflitos regionais, tema estudado anteriormente.
Um exemplo de funcionamento de uma rede geográfica em outro cenário, muito útil para compreender o funcionamento das redes na escala mundial, é a cidade de São Paulo. Essa me¬trópole sofre desde os anos 1980 uma profunda reestruturação no seu espaço geográfico: seu território está "invadido" por redes geográficas que se estruturam do seguinte modo:
• Pontos: habitações em condomínio fechado ↔ centros administrativos isolados também em formato de condomínio fechado ↔ centros comerciais (shopping centers, hipermercados) fechados e protegidos ↔ outras instalações do tipo (hotéis, resorts urbanos).
• Linhas: vias expressas, avenidas, cuja circu¬lação é predominantemente automobilística.
Os usuários dessas redes geográficas pro¬curam concentrar o fundamental de suas vi-das em seu interior: residência, abastecimento, trabalho, estudos, lazer etc. E se possível, rara¬mente saem da rede, evitando assim o território pleno da cidade. Pesquisas mostram o número impressionante¬mente alto de habitantes da cidade que jamais foram ao seu centro histórico, jamais usaram transporte coletivo e jamais andaram a pé.
Há um custo financeiro para viver nessa rede protegida e ele não é baixo, o que resulta numa "seleção social” e diminui as trocas e as relações entre a população da cidade, em vista dessa separação (segregação?) sofisticada, na sua geografia. As trocas, as relações sociais desses usuários e construto¬res de redes se dão quase que somente entre eles. E o que isso tem a ver com as redes geográficas de escala mundial, construídas e alimentadas pelas corporações transnacionais?
Mais de 50% da circulação de capitais, de bens de produção, de serviços, de tecnologia que as corporações transnacionais põem em movimento ocorrem internamente às suas pró¬prias redes. Outro ângulo dessa lógica: 30% das exportações mundiais são trocas no interior das redes das corporações. É uma movimentação econômica que não se irradia para os territó¬rios dos países onde elas não instaladas.
Essa radiografia geográfica da estruturação transnacional das corporações revela:
1. a im¬portância das redes geográficas na globalização que se constrói;
2. um pouco das estratégias e do poder dessas grandes empresas.
Muitos da¬dos econômicos podem ser alinhavados para dimensionar mais amplamente a ação das corporações, mas eles poderão ganhar mais signi¬ficado se sua lógica espacial for considerada.
3. Os grandes fluxos do comércio mundial e a construção de uma malha global
O comércio é por definição uma forma de relação humana que implica colocar em contato grupos sociais diferentes. Na origem da história humana para um grupo A interessava obter de outros grupos aquilo que não se con¬seguia produzir, aquilo que somente outros grupos possuíam. Esse gênero de relação exigia estender relações sobre espaços mais amplos, obrigava a abrir caminhos, rotas e construir portos, estimulava a criação de novos meios de transporte e impunha a criação de estruturas para os comerciantes. Como se vê, o comércio é uma atividade humana produtora de novos es¬paços humanos e uma atividade que ensinou o ser humano a lidar com a distância geográfica.
No mundo contemporâneo tudo isso in¬tensificou extraordinariamente. Com os no¬vos meios disponíveis, as atividades comer¬ciais aumentaram o poder de uma das forças propulsoras da "fabricação" de novos espa¬ços e do aperfeiçoamento dos meios de supe-ração da distância entre as realidades geográ¬ficas.
Vamos pensar nas marcas de produtos comerciais que frequentam nosso dia-a-dia. Qual a origem nacional da marca? Numa série de produtos (roupas, calçados e eletrônicos, por exemplo) onde é a localidade da fabrica¬ção? São duas coisas diferentes: um produto pode ter uma marca de origem americana e ser produzido na China. Uma marca pode ser francesa e seu produto pode ser, ao menos em parte, produzido no Brasil.
Isso revela a complexidade das relações atuais, num mundo globaliza¬do, embora uma relação comercial, ao pé da letra, resuma-se à saída do local de pro¬dução (ou ponto de venda) até o ponto do consumo.
Os fluxos de produtos que chegam até nós vêm do mundo, de um sistema produtivo e comercial que se organiza na escala mundial, não somente dos nossos vizinhos, do mundo ocidental ou do extremo oriente.
O comércio como acelerador dos fluxos; aceleração dos fluxos intensificando o comércio
O mundo contemporâneo é complexo. Isso não quer dizer complicado, como é comum se pensar. Complexo significa que cada realidade isolada é sempre produto do conjunto da realidade total, ou das diversas realidades em relação. Durante os últimos 50 anos as exportações mundiais aumentaram em volume, nove vezes mais rápido que a produção mundial. Produz-se mais, mas se comercializa entre países muito mais ainda. Quer dizer que boa parte da produção antigamente circulava mais no interior dos pró¬prios países onde eram produzidas; hoje a produção circula muito mais numa escala geográfica mais ampla: circula o mundo.
O comércio não cresceu por si só, porque tem mais gente com¬prando bens. O comércio cresceu porque uma série de eventos e transformações cruzadas nes¬se nosso mundo propiciaram essa condição (e que já estudamos): a aceleração dos fluxos, as redes técnicas, a força das transnacionais e suas redes geográficas, a geopolítica, a ordem mundial e a ação das potências, que permitiram nesses últimos 50 anos que os mercados nacionais nada mais fossem que "seções" de um único e imenso mercado mundial. Outros exemplos de eventos que propiciaram o crescimento do comércio: desenvolvimentos tecnológicos, a multiplicação dos meios de compra e informação sobre os produtos, o afrouxamento das fronteiras dos Estados nacionais territoriais etc.
A imagem dos fluxos comerciais no mundo contemporâneo é forte. Nunca o planeta pareceu tão pequeno, tal a dimensão dos fluxos e as distâncias que eles percorrem. Longos trajetos, outrora feitos apenas por aventureiros, atualmente são as principais rotas comerciais do mundo. Rotas oceânicas percorridas por navios que ancoram em portos, abarrotados e congestionados de mercadorias, e rotas aéreas que chegam em pontos antes inalcançáveis resultam da busca desenfreada por novos mercados, por novos consumidores.
O comércio, obviamente, não ocorre somente na escala mundial, isto é, na relação entre continentes e países diferentes. Os fluxos ocorrem internamente dentro de uma região, numa escala inferior: produção no país/continente e consumo no país/continente.
O grande desafio da cartografia contemporânea não é localizar com precisão fenômenos geográficos, pois isso já está pronto e atualizado pelas imagens de satélite; o grande desafio está em conseguir expressar visualmente as relações espaciais que se desenvolvem num mundo cada vez mais complexo, ou seja, a utilização da linguagem. Para se produzir um mapa, antes de tudo, é preciso ter acesso às informações, à base de dados que será objeto da representação. Na cartografia temática contemporânea, há uma tendência em se preferir as projeções do tipo da de Buckminster Fuller ou a de Bertin para a representação de fluxos comerciais (lembre-se do mapa do tema 5, dos fluxos migratórios). Elas aproximam os blocos continentais, eliminam as imensas distâncias oceânicas e dão uma idéia mais expressiva e real do que são os fluxos no mundo contemporâneo. Projeções como a de Peters ou a de Mercator têm uma proeminência muito grande dos oceanos e expressam visualmente distâncias longuíssimas entre o extremo da Ásia e as Américas, por exemplo. A seta é compreendida, universalmente, como símbolo gráfico adequado para representara direção dos fluxos, pois permite expressar quantidade com a manipulação de seu tamanho (largura). Setas largas estarão representando fluxos de maior quantidade; mais estreitas, o contrário. Definir símbolos de comunicação não dá margem a diferentes interpretações. O que se vê tem sempre que ter sempre um único significado. Os blocos continentais no fundo do mapa devem ter uma única cor para todos. Uma cor leve e neutra para não ofuscar as setas. Define-se uma única cor para as setas e elas não podem se sobrepor umas às outras. Se fossemos montar um mapa com o tema “Comércio mundial de mercadorias”, constariam dados do comércio que poderiam ser representados cartograficamente em quadrados ou círculos (quanto maior, significa maior o volume negociado) ou por setas, e os números poderiamos colocar em uma legenda (resultando em uma representação quantitativa, pois apresenta números).
Hoje, os fluxos mais importantes no comércio mundial de mercadorias estão entre a Ásia e a América do Norte, entre a Ásia e a Europa Ocidental e entre a América do Norte e a Europa Ocidental. O fluxo da Ásia para a América do Norte é maior, mesmo com a imensa distância oceânica (que foi superada por conta da globalização, que encurtou as distâncias, realidade no mundo contemporâneo). O fluxo gira em torno da América do Norte, Europa e Ásia, mas os maiores fluxos ocorrem entre os países desenvolvidos para os subdesenvolvidos (tanto saída como entrada de mercadorias). Já os menores fluxos estão entre os próprios países subdesenvolvidos (tanto saída como entrada de mercadorias).
A Ásia aumentou significamente suas exportações, principalmente para os EUA e Europa e se consolidou como um grande pólo exportador. Muitas transnacionais, que normalmente tem sede nos EUA e Europa, começaram a produzir nos países deste continente (China, por exemplo), para baratear a produção. E a mão-de-obra é farta e barata, aumentando a produção em grande escala e negociação de seus produtos por preços mais baixos. Os EUA são o maior comprador nesse tipo de relação e isso é uma participação fundamental, pois esse país é um grande mercado. Seu papel, como exportador, é um pouco menor, o que contraria uma visão de país forte (aquele que mais vende e que menos compra). Mas essa visão não corresponde ao modo como a economia global se organiza atualmente. Nesse modelo, importação e exportação não têm o mesmo peso de épocas anteriores. Por isso, os EUA não perderam sua importância no comércio internacional. O peso do comércio em escala regional (no mesmo continente, país ou região) ainda é grande, mas o comércio entre os continentes, ou seja, escala global (inter-região) está crescendo cada vez mais.
4. Regulamentar os fluxos econômicos na escala mundial: é possível encontrar um bem comum?
A mobilidade humana ampliou-se, não há dúvidas. Na escala mundial as relações da globalização articulam uma malha de redes geográficas, alimentadas por redes técnicas, que se constituem numa nova configuração geográfica, acelerando impressionantemente os fluxos de bens econômicos e de pessoas. É certo que os bens econômicos (mercadorias, capitais, serviços, informações) circulam com muito mais desenvoltura nessa dimensão glo¬bal do que os seres humanos. Mas também há constrangimentos na circulação dos fluxos econômicos. Aliás, mais que constrangimentos: há conflitos.
Vale relembrar uma razão: a ordem mun¬dial existente se estrutura no interior da relação entre os países. No entanto, essas relações são desiguais:
1. alguns países são potências que atuam agressivamente;
2. agora há tam¬bém corporações privadas bem mais pode¬rosas que muitos países;
3. de modo geral, os fortes e os fracos nessa ordem só têm uma referência ao relacionar-se, que são seus pró¬prios interesses. E sem dúvida isso vai signi¬ficar problemas para a livre circulação dos bens econômicos; aliás, essa livre circulação dos bens econômicos vai significar proble¬mas para cada país.
A regulamentação dos fluxos econômicos mundiais é objeto de muitos debates, pois há muitas críticas sobre a globalização que libe¬raria forças que, em tese, causariam prejuízos às economias nacionais. Os Estados nacionais territoriais - inclusive os países mais ricos, quando percebem seus interesses nacionais contrariados, clamam por regras. É no inte¬rior desse quadro que se vêm estruturando organizações internacionais que procuram regulamentar os fluxos econômicos.
Do GATT à OMC: um percurso espinhoso que se dirige ao desconhecido
Em 1948, período de esgotamento da Segun¬da Guerra Mundial, o cenário mundial (não era bem a escala mundial, mas sim Europa ocidental e EUA) favorece a busca da eliminação de qual¬quer tipo de conflito. Afinal, a tragédia estava vertendo sangue naquele momento e os custos para remover as ruínas e erguer um novo siste¬ma econômico se anunciavam astronômicos.
Para se dinamizarem, as economias depen¬diam de relações econômicas para além da escala nacional. Dependiam da remoção dos protecionismos, uma chave importante para a interpretação dos conflitos e das proposições para resolver a questão dos fluxos econômicos internacionais.
Leia atentamente o texto informativo sobre os organismos econômicos internacionais na página 34 do caderno do aluno. Nele encontra-se um panorama sinté¬tico dos caminhos percorridos nos últimos 50 anos para se estabelecer meios e regras na or¬dem dos fluxos econômicos mundiais.
Num mun¬do de menores desigualdades econômicas - mundo que não existe – os países buscam um bem comum através de acordos, tratados, san¬ções, punições e protecionismos. Os países se movem pela lógica geopolítica. As referências e os objetivos a serem alcançados por cada país são os interesses de cada um. Agindo assim, não é mais fácil chegar à guerra do que à har¬monia?
Algo espe¬cífico, que une as relações econômicas e a Geopolítica, se encontra no texto e deve ser notado para desenvolver-se uma linha de raciocínio: o acordo comercial (GATT) foi concebido para promover a paz e combater o protecionismo, que é o "promotor da guerra". Para o horror dos economistas, a vida real, nesse caso, invade a lógica econômica. O que é o protecionismo comercial? E por que isso causaria guerra? Se proteger pode causar a guerra, nesse caso, a proteção ganha o sentido de agressão. Não é interessante? Vale raciocinar so¬bre isso, refletindo sobre o caso atual que o texto destaca no seu final: os EUA e a União Européia praticam o protecionismo em relação à sua agricultura, pois temem a cir-culação mais livre dos produtos agrícolas dos países emergentes e pobres, o contrário da filosofia que estaria na base da fundação da OMC.
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