Espaço Agropecuário brasileiro
Aspectos da formação do espaço agrário brasileiro
Domingos Nascimento Silva*
Em seu estado da natureza o homem viveu sem organização de relações entre si ou com instituições; com a evolução o homem passou ao estado da sociedade civil, com o estabelecimento de regras de convivência e instituições. A questão da posse e propriedade da terra insere-se nestes estágios evolutivos, sendo que após o período do nomadismo ela passou a ser fator de disputa na fixação em determinada região, e importante para a sobrevivência de civilizações.Os conceitos solo e terra não são iguais. O solo é um corpo natural que resulta da ação de fatores como o clima, os organismos e o tempo, sobre a rocha matriz, em determinada condição de relevo. A interação do solo com o meio que o cerca define a terra; o conceito terra abrange, portanto, não apenas o solo, mas outros elementos como localização, relevo, vegetação, erosão e clima.A atividade agropecuária apresenta peculiaridades em relação às outras atividades econômicas, e em especial em relação à indústria, destacando-se entre elas o fato de que o meio de produção fundamental na agropecuária, a terra, não pode ser multiplicado pelo homem, da maneira como ocorre com as máquinas e outros fatores de produção; devido a isto, a sua apropriação histórica assume uma importância fundamental. Houve um grande desenvolvimento da Agronomia nas últimas décadas, permitindo inclusive que com a hidroponia sejam realizados cultivos em soluções nutritivas, sem o uso do solo; entretanto, o cultivo hidropônico se dá de forma limitada em relação às espécies, estruturas das plantas e resultados econômicos.Este artigo analisa o processo de formação do espaço agrário brasileiro, a partir da descoberta, colonização e ocupação do País, apresentando os principais fatos que nortearam a organização do território. Os fatos mais recentes, ocorridos neste século, já numa perspectiva de correção dos problemas da estrutura agrária formada, também são analisados.A COLONIZAÇÃO E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRONa expansão do comércio marítimo de Portugal houve o descobrimento do Brasil, que passou a ser uma importante colônia, contribuindo para a manutenção de Portugal em posição destacada no cenário mercantilista europeu. A fase inicial da colonização brasileira é marcada pela implantação do sistema mercantil, com a existência de relações escravistas, em um País habitado por indígenas em estado primitivo de organização social e produtiva.No período de 1500 a 1530 estabeleceu-se no Brasil a fase de escambo, predominando as atividades extrativistas, principalmente do pau-brasil. As áreas com o pau-brasil eram arrendadas a particulares, com a reserva do monopólio real; este sistema foi substituído pela liberdade comercial e o pagamento de um quinto dos produtos exportados. Com os índios realizava-se a troca do pau-brasil e madeiras finas para marcenaria, que eles forneciam, por objetos como machados, foices, facões, anzóis, pentes e espelhos, de pequeno valor monetário.Seguiu-se à fase de escambo o regime das sesmarias, durante o período de 1530 a 1822. Este regime foi utilizado em Portugal em 1375, a partir de uma crise agrícola, e objetivava o cultivo obrigatório das terras incultas. As sesmarias funcionaram em Portugal, o mesmo não acontecendo no Brasil, em que houve desvirtuamentos, com o benefício de uma minoria e gerando a grande propriedade improdutiva. No Brasil o compromisso de tornar produtivas as grandes áreas recebidas não era cumprido, e a dimensão continental da colônia tornava a fiscalização muito difícil.O rei de Portugal instituiu o sistema de capitanias hereditárias para o Brasil, em 1534, com a divisão da colônia em quinze lotes, que foram distribuídos entre doze donatários, que tinham poderes para conceder terras como melhor lhes convinham, apenas recolhendo o dízimo à Ordem de Cristo, que era administrada pelo rei de Portugal. Houve prosperidade em apenas duas capitanias hereditárias, as de São Vicente e de Pernambuco, com os comandos de, respectivamente, Martim Afonso de Souza e Duarte Coelho; favorecidas com o desenvolvimento da lavoura canavieira, a paz com os indígenas, e a excelente administração, incluindo o recebimento de investimentos de capital europeu. Com o fracasso do sistema de capitanias hereditárias, o rei de Portugal, buscando impulsionar a colonização, criou o Governo-Geral, que funcionaria como um órgão de coordenação das capitanias hereditárias; não se verificou mudanças significativas no sistema de distribuição das terras.Verificou-se durante o regime das sesmarias no Brasil o desenvolvimento do sistema de posses, em função de necessidades econômicas e sociais. Este sistema não tinha amparo legal, e envolvia inicialmente populações pobres; entretanto, com o fim do regime das sesmarias, que ocorreu a partir do fim do período colonial, este sistema passou a abranger grandes áreas de terra.
Prado Júnior (1987) observa que o acentuado grau de concentração fundiária no Brasil resulta da natureza da economia constituída com a colonização e ocupação progressiva do território, baseada na grande propriedade e no estabelecimento de atividades mercantis. A colônia deveria cumprir o papel de fornecer em larga escala produtos primários aos mercados europeus.Em INCRA (1987) é assinalado que não existe um levantamento completo das doações de terras ocorridas no período das sesmarias no Brasil. Para o Estado da Bahia, é mencionada nesta publicação, como a mais importante doação, a concedida ao armador-mor D. Álvaro da Costa, denominada de capitania de Peroaçu, envolvendo todo o território entre as barras do Paraguaçu e o Jaguaribe. É citada ainda como importante, a doação da Ilha de Itaparica, ao Conde de Castanheira. Também é observado que a pecuária acentuou a tendência à formação de imensas propriedades e a sua concentração nas mãos de poucas pessoas; com o extenso sertão baiano, nos séculos XVI e XVII, estando sob o domínio de apenas duas famílias, a Casa da Torre e os Guedes de Brito.
A agricultura de subsistência enfrentou muitas dificuldades no processo de colonização e ocupação do território brasileiro, mas se tornou, com o decorrer dos séculos, em importante atividade para parcela significativa da população rural. A agricultura de subsistência desenvolveu-se nas grandes áreas das monoculturas e da pecuária extensiva, e também em unidades pequenas, em que o proprietário ou o ocupante trabalhavam diretamente a terra, normalmente em áreas de qualidade inferior e distante dos centros urbanos.Sodero (1982) observa que o Estatuto da Terra, e o Direito Agrário brasileiro, fundamentam-se na doutrina da função social da propriedade, segundo a qual toda a riqueza produtiva tem uma finalidade social e econômica, e aquele que a detém deve fazê-la frutificar, em benefício próprio e da comunidade em que vive. A terra rural, portanto, não é um direito individualista, devendo gerar produtos agropecuários, agro-industriais e empregos, preservando o equilíbrio ecológico.Esta doutrina, anteriormente um princípio, não é recente no mundo, tendo sido exposto inicialmente, de forma simples, na antigüidade grega por Aristóteles, e já no século XIII estas idéias iniciais foram cristianizadas por Santo Tomás de Aquino, com a afirmação de que "cada coisa alcança sua colocação ótima, quando é ordenada para seu próprio fim''. Entretanto, estes fundamentos foram pouco usados no decorrer dos séculos anteriores ao atual, apesar de serem até lembrados em algumas ocasiões, como por exemplo na concessão das sesmarias no Brasil, em que fora estabelecido que se destinassem áreas de terras que um homem pudesse explorar com os recursos disponíveis, e determinado um tempo para que isto efetivamente ocorresse, caso contrário a doação seria cancelada; observa-se aí a busca do cumprimento da função social da propriedade, que infelizmente não chegou a existir na acepção da expressão.Na Constituição brasileira de 1934 é introduzida a doutrina da função social da propriedade, um pouco tardiamente pois outras cartas magnas da América Latina já a haviam adotada desde 1919.O Estatuto da Terra, Lei n° 4.504, de 30 de novembro de 1964, apresenta os fundamentos da área agrária no Brasil. Vários países da América Latina haviam se comprometido na Conferência de Punta del Este, em 1960, a realizar a Reforma Agrária, entre eles o Brasil. Havia no País uma mobilização intensa de trabalhadores rurais reivindicando a realização da Reforma Agrária. O Governo do Marechal Castelo Branco criou um grupo de trabalho em 1964, que elaborou o Estatuto da Terra, que não se limitou à Reforma Agrária, abrangendo a área de desenvolvimento rural. Esperava-se ações significativas para resolver o problema da desigualdade da distribuição das terras, mas as ações voltaram-se para as áreas cadastral, tributária e de colonização, e de modernização da agropecuária, esta ocorrendo nas grandes e médias propriedades.Sobre a doutrina da função social da propriedade, o Estatuto da Terra estabelece no seu artigo segundo que:A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;c) assegura a conservação dos recursos naturais;d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivam.Verifica-se que o cumprimento da função social presente no Estatuto da Terra, e nas demais legislações da área agrária, abrange aspectos da produção da atividade, da conservação e preservação do meio ambiente, e das relações de trabalho e de convivência entre as pessoas no imóvel rural.A Constituição brasileira de 1988 dedica o Capítulo III, do Título VII, à Política Agrícola e Fundiária e à Reforma Agrária. Entretanto, as ações na área agrária tiveram dificuldades de implementação, só reduzidas com a aprovação da Lei n 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que regulamentou disposições sobre a Reforma Agrária contidas neste Capítulo; e as aprovações que se seguiram de outras legislações.No início da década de oitenta havia uma mobilização de trabalhadores rurais no Brasil, reivindicando a realização da Reforma Agrária; a luta dos trabalhadores rurais nesta época contribuiu para a formulação do I Plano Nacional de Reforma Agrária PNRA, aprovado pelo Governo Federal em outubro de 1985. Entretanto as ações de Reforma Agrária com o IPNRA foram pequenas. Apenas a partir de 1995 é que se inicia no Brasil um programa de distribuição de terras que pode ser considerado, ao mesmo tempo, significativo, relativamente ao que foi feito historicamente, mas ainda pequeno, considerando a dimensão do problema agrário do País. Deve-se ressaltar que o conceito Reforma Agrária abrange um conjunto de medidas, incluindo o acesso dos trabalhadores rurais à terra, e outras que permitam o desenvolvimento local e regional.Durante o processo de colonização e ocupação do território brasileiro não houve mecanismos para impedir a concentração de terras, nem o País realizou a Reforma Agrária para corrigir as distorções formadas nesta área. Com o argumento da superioridade tecnológica da grande produção capitalista e da sua capacidade de atender eficientemente a toda demanda de alimentos e matérias primas agrícolas, questiona-se nas discussões atuais que o Brasil teria perdido a oportunidade histórica de realizar a Reforma Agrária. Entretanto, o País apresenta o recurso terra em abundância, cujo acesso deve ser democratizado, resolvendo um processo histórico de concentração. A grande atividade agropecuária, com o uso de tecnologia avançada, não é a única via a ser percorrida, inclusive porque os aspectos de viabilidade econômica, sustentabilidade ambiental e impacto social, devem ser considerados conjuntamente, não se enfatizando alguns aspectos e desconsiderando outros. A pequena produção deve ser apoiada, com o agricultor utilizando tecnologias apropriadas, e passando por um processo de crescimento técnico, econômico e social.O Brasil apresenta uma distribuição desigual do recurso terra, fato evidenciado em pesquisas realizadas sobre o tema. Tal questão não é recente, e resulta do processo de colonização e ocupação do território, tendo sido analisado neste artigo. O programa de Reforma Agrária em execução no Brasil tem permitido para muitos trabalhadores rurais o acesso à terra. Possibilitar aos assentamentos de Reforma Agrária criados, a viabilidade econômica, social e ambiental, é fundamental, atingindo com isto os objetivos da Reforma Agrária, e impedindo que ocorram processos de reconcentração no espaço agrário do País.
Postado por professora de geografia às 14:47
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O espaço Industrial brasileiro
O espaço industrial brasileiroCONCENTRAÇÃO E DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL Os processos de industrialização promovem, sempre, a concentração espacial da riqueza e dos recursos financeiros e produtivos. Essa tendência de concentração espacial acompanhou a industrialização brasileira, desde o início do século XX. Em escala nacional, o seu resultado foi a configuração, no Sudeste, de uma região industrial central, dinâmica e integrada. O núcleo dessa região corresponde ao Estado de São Paulo. Além da dinâmica da economia de mercado, a geografia industrial depende das estratégias do Estado. Entre as décadas de 1940 e 1960, a política estatal de desenvolvimento da grande siderurgia abriu uma nova etapa da industrialização brasileira, reforçando a tendência de concentração espacial da indústria no Sudeste. A grande siderurgia brasileira nasceu a partir de duas empresas estatais: a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). A segunda encarregou-se da extração, do transporte ferroviário e naval e da comercialização dos minérios do Quadrilátero Ferrífero, antes de expandir as suas atividades para inúmeras outras jazidas do País. O Estado de São Paulo, núcleo industrial mais dinâmico do Centro-Sul, não está em declínio industrial. As fábricas baseadas no uso intensivo de mão-de-obra são repelidas para outras localizações, mas os principais investimentos em indústrias de alta tecnologia continuam a ser atraídos por São Paulo. A redução da participação do Estado no emprego não é acompanhada por uma diminuição tão acentuada no valor da produção industrial. A SUDENE E A INDUSTRIALIZAÇÃO DO NORDESTE
A industrialização moderna do Nordeste associou-se a uma fase do modelo de substituição de importações marcada pela importância das políticas de desenvolvimento regional do Estado. Essas políticas conduziram a processos de desconcentração da indústria, em escala nacional, e de concentração industrial, em escala regional. A criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1960, foi o ponto de partida de um projeto de desconcentração industrial baseado no planejamento estatal. Por meio de um vasto programa de incentivos fiscais, o Estado conseguiu direcionar investimentos privados do Centro-Sul para o Nordeste. A implantação de usinas hidrelétricas de porte no Rio São Francisco e a presença de mão-de-obra abundante e barata funcionaram como incentivos suplementares.Na Bahia, essa estratégia conduziu à criação do pólo petroquímico de Camaçari e do distrito industrial de Aratu, ambos na região metropolitana de Salvador, O pólo de Camaçari, estabelecido na década de 1970, gira em tomo da Refinaria Landulfo Alves, da Petrobras. O parque industrial químico representou alteração estrutural na economia baiana, tornando-se logo a principal fonte de receita tributária do Estado. No distrito de Aratu predominam as indústrias de bens de consumo duráveis atraídas pelos incentivos da Sudene. O impulso promovido pela Sudene gerou também pólos de produção de bens intermediários como as indústrias de fertilizantes de Sergipe e o complexo químico Salgema de Alagoas. Os insumos produzidos por esses pólos são, em geral, transformados no Sudeste e, em especial, no Estado de São Paulo.
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